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A porta no fim do corredor

  • Foto do escritor: Escritamente
    Escritamente
  • 17 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

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Ele parou de frente para o corredor vazio e escuro. Na extremidade oposta de sua extensão, estava uma porta branca com luz saindo do vão com o chão.

Naquele corredor, a falta de janelas fazia com que a luz do dia nublado fizesse pouco efeito. Ele olhou e percebeu que além da primeira que viu, havia duas portas na direita.

Ele precisava ir até lá, abrir cada uma delas e verificar se a eletricidade havia sido cortada. Três passos, simples, fácil de executar, trabalho para um estagiário, trabalho para ele, seria bom sair do escritório, trabalho de campo, uma chance pra mostrar que sabe fazer algo sozinho.

O térreo do prédio abandonado há cinco anos estava completamente sem energia. Isso deveria ter sido o bastante para acreditar que não haveria no andar superior, mas não conferir era trabalho de preguiçoso, os outros iriam julgar, falar que estava com medo ou que não tinha o necessário para ser efetivado.

E a luz da porta no fim do corredor, tão branca que fugia e se espichava pelo chão de cerâmica vermelha. Uma luz, provavelmente uma lâmpada ligada, fez bem em vir aqui, quis ir lá imediatamente, mas quando tentou andar, suas pernas não se moveram.

Precisou respirar fundo, pensar em coisas boas, em distrações. Quando juntou coragem, inflou o peito, prendeu o ar e avançou decidido até a primeira porta da direita. Era apenas uma porta de madeira pintada de cinza, idêntica a tantas outras que ele havia aberto minutos atrás, nada demais.

Com cuidado tocou na maçaneta e a empurrou para baixo. Ela cedeu e a porta se abriu completamente com mínima força.

Era apenas um pequeno vestiário. Dois chuveiros, dois armários e um velho sofá de madeira. Não havia nada de especial lá, ainda assim ele entrou. Ligou o interruptor e nenhuma das lâmpadas acenderam. Com seu multímetro emprestado, checou todas as tomadas, nenhuma com energia.

Nada demais, ele pensou. Esse trabalho não é nada demais, só um trabalho que ninguém mais quer fazer, outra pessoa deveria fazer, havia trabalhos mais importantes para serem feitos, como sempre, ele havia ficado com o menos relevante.

Saiu para o corredor, não olhou para a porta do fundo e foi até a segunda da direita. Teve vontade de chutá-la, gastar energia, mas se contentou com apertar a maçaneta com força. A porta não cedeu de primeira, mas com um empurrão, ela revelou o interior da sala.

Apenas um depósito. Papéis, armários e caixas de papelão se espalhavam pelo chão. Ele tentou o interruptor e novamente, nenhuma das lâmpadas reagiu. Procurou as tomadas, havia apenas uma, mas estava atrás de um armário.

Ele testou movê-lo, mas era pesado, ele conseguiria se tentasse com força, mas poderia machucar as mãos. Não tinha energia no resto do prédio, não fazia sentido ter exclusivamente nessa tomada. Perda de tempo, os outros ririam da burrice dele se ele chegasse com algum ferimento, mínimo que seja. Pra piorar, ainda começariam com a ladainha sobre segurança pessoal, uso de EPIs e tudo aquilo que ele já está cansado de ouvir.

Parou um passo antes de sair para o corredor. Havia só mais uma porta, apenas aquela porta. Saiu e a encarou de frente, sua luz branca se esgueirando pelo chão, quase tocando seus sapatos.

Ele pensou, pare de bobeira, é só mais uma porta. A última porta. Assim que ele checasse esse lugar, poderia ir embora. Olhou para a saída, apenas dez metros, se corresse, fugiria em poucos segundos.

Não podia fugir, já havia deixado de checar uma tomada, não podia deixar de fazer outra coisa. Foi até a porta e parou a dois passos dela. Diferente das outras, estava pintada de branco, só isso, a única diferença do resto. Não havia motivos para não abrir e conferir o que está lá dentro.

Com as mãos suadas e trêmulas, ele girou a maçaneta, mas a porta não abriu. Parecia trancada. Felizmente ele tinha o molho de chaves, procurou a fechadura, mas seu modelo era antigo demais para as chaves modernas que ele tinha em mãos, não conseguiu destrancar.

Teve uma ideia. Agachou-se, aproximou seu olho do buraco da fechadura e espiou seu interior. Apenas uma parede de cerâmica vermelha, só isso, nada demais. Havia luz lá dentro, isso era certo, parecia luz natural, mas poderia ser fluorescente, era branca.

Testou abrir com seu ombro, forçou e sentiu a porta ceder um centímetro. Talvez só estivesse emperrada também, forçou novamente e ela abriu mais um pouco. Na terceira tentativa, ele pegou espaço e bateu com todo seu peso. A porta começou a abrir, a luz branca o ofuscou brevemente e antes que ele visse algo de seu interior, uma força externa, um empurrão vindo de dentro da sala resistiu ao seu movimento e fechou a porta num baque.

Ele se afastou, parou totalmente alerta, sua respiração acelerada, ele não entendia o que tinha sido aquilo. Pensou, parou e pensou. Não era nada demais, estava certo disso. Algo caiu quando ele empurrou, este algo forçou a porta a se fechar, é assim mesmo, é um prédio velho, as coisas caem, um armário podia ter desabado, caixas que caíram, só precisava ser cuidadoso. Não é nada demais.

Quando se recuperou, decidiu olhar pela fechadura mais uma vez, ver se conseguia enxergar o que tinha caído, talvez visse algo. Se agachou, tapou um dos olhos e bisbilhotou pelo outro.

Do outro lado da fechadura, diferente da última vez que olhou, não havia a parede de cerâmica vermelha, apenas outro olho. Avermelhado, pegajoso e sem vida. Suas pupilas se alinharam e então, ele viu algo sair de lá e um momento depois, sentiu seu rosto arder.

Ele se levantou e foi embora às pressas, desceu as escadas dois degraus por vez e correu até a saída. Do lado de fora andou por alguns metros, coçando seu olho sem parar, até ouvir uma voz. Sua supervisora estava lá, ela perguntou sobre a coceira, ele respondeu que estava tudo bem, que algo caiu no seu olho, nada demais. Ele foi orientado a ir no ambulatório, mas antes que fosse liberado, ela perguntou:

- E então? Está tudo desenergizado?

- Sim. – Ele respondeu com firmeza.

- Então vamos começar a demolição amanhã.

- Quanto antes melhor.

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