Carta ao Salvador de Fronteira - Conto
- Escritamente

- 15 de mar. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 22 de mar. de 2023
Olá pessoal,
O conto abaixo mostra a história de um personagem de um jogo de RPG (Role-playing game) que estou narrando. O RPG se passa no mundo de Fronteira, o mesmo do conto Nascimento do Rei Morto, um mundo mágico e ameaçado por uma força destrutiva chamada de Caos, as criaturas caóticas só querem uma coisa, tomar tudo o que é da Ordem (sua antítese). O protagonista infame que aparece no texto é Xoggorath, ele é uma pessoa religiosa e determinada, mas verá seu Deus morrer diante de seus olhos e isso o afetará como afetaria qualquer um. Ao invés de desistir da Vida (sim, com o V maiúsculo), ele procura uma solução para os problemas de seu mundo e também um ser maior para se apoiar. Sua busca revela um Deus antigo e perigoso. O que será que vai acontecer e qual o desenrolar dessa história? Leia e veja com seus próprios olhos.
Sem mais delongas:
Carta ao Salvador de Fronteira
Se encontrou este pergaminho, leia até o fim.
Eu estava lá no início, quando o Caos invadiu nosso amado mundo. Todos sabíamos que isto aconteceria um dia, mas ninguém esperava que fosse ser tão cedo.
Não estávamos preparados o suficiente e isto nos custou muitas Vidas. Nossos povos sempre preferiram a diplomacia à guerra, a arte à luta, a ciência benéfica às armas de destruição, mas tudo isso mudou rapidamente.
As mãos, calejadas pelas enxadas ou pelas cordas, se tornaram sangrentas pela espada. As músicas, suaves e doces, deram lugar aos brados de guerra. Nosso próprio espírito, calmo e observador, se profanou com a violência da nova realidade.
Nos tornamos guerreiros rapidamente, lutamos contra aqueles que queriam o que era nosso. Dizíamos que um dia nossas Vidas voltariam a ser como eram, mas como poderia? Nós mesmos não éramos como antes.
Mesmo que muitos momentos da guerra fossem desesperadores, nossos Deuses estavam conosco. Suas bênçãos nos permitiam enfrentar nossos inimigos em pé de igualdade. Várias escaramuças e batalhas aconteciam em todo o mundo, já que o Caos avançava de forma aparentemente aleatória e desenfreada.
Como um clérigo, devoto desde meu nascimento à Ânimus, o Deus da Vida, eu lutei na frente da batalha. Eu provia recuperação aos meus companheiros e quando ainda não era sua hora de partir, trazia seus espíritos de volta aos seus corpos. Enfrentei, com coragem, criaturas muitas vezes maiores do que eu, sabendo que a Vida estava comigo e nunca me deixaria.
Porém, isso não era verdade. Em um dia fatídico, estava com meus irmãos na Catedral do Nascimento, o maior templo de toda Belaropa, quando um raio vindo do céu ensurdeceu e clareou a noite. A energia violenta acertou precisamente a estátua de Ânimus, no jardim da frente, partindo-a ao meio.
Corremos para ver o que tinha acontecido e encontramos uma criatura caótica. Ela tinha um corpo robusto que me lembrou dos Golias mercenários que vieram do continente de Prada.
Mas as semelhanças terminaram na silhueta de seu corpo. Sua pele enegrecida parecia mais dura que pedra, seus olhos refletiam a luz tal qual um espelho, seus dedos, tanto das mãos quanto dos pés eram pontiagudos e metálicos.
Da criatura, surgiam raios e correntes elétricas que chicoteavam todos que se aproximavam. Nós reunimos nossas forças, nossos mais habilidosos guerreiros e mais capazes conjuradores, lutamos contra ele e sem conseguir causar nenhum arranhão, fomos derrotados.
Sem nenhuma misericórdia ele arrancou a Vida de muitos dos meus companheiros, fritando seus corpos com os arcos elétricos conforme se aproximava ou simplesmente lançando raios a distância.
Durante o nosso desespero, clamamos por Ânimus e ele nos atendeu. Vindo dos céus, carregando seu cajado e trazendo sua luz divina, ele veio ao encontro do seu nêmesis. Infelizmente, era isto que a criatura esperava. Ao se aproximar, ele descarregou sua eletricidade na divindade, fazendo raios intermináveis correr entre seus braços, a luta durou poucos segundos. A Vida de Ânimus, a mesma que ele compartilhou conosco, se findou naquela noite. Nos dias que se seguiram, ouvi relatos de velhos de saúde frágil, bebês que ainda estavam nos ventres e enfermos nos hospitais de campanha tiveram sua Vida ceifada nesta mesma noite, diziam que suas almas foram carregadas para lugar nenhum, juntamente com nossa divindade.
Nós fugimos, os poucos de nós que sobraram. Desesperados e sem qualquer rumo para seguir, muitos se perderam. A Vida de quase todos foi tomada, de forma rápida, pelas criaturas que teimavam em nos caçar ou de forma lenta e amaldiçoada pelas nossas próprias mãos. Não fazia sentido continuar, já que nem mesmo Ânimus conseguia enfrentar nossos inimigos.
Eu também caí em desgraça, recorri a bebida e a pele oleosa das donas da noite para esquecer. E foi deitado em uma sarjeta, em meio a loucura e a lucidez, que pensei no que seria mais capaz que os Deuses, em quem poderia nos defender contra a violência avassaladora do Caos. Os Titãs, é claro, mas estes pouco pareciam se importar conosco.
Mas havia uma lenda, um conhecimento obscuro que naquele tempo achei que tivesse obtido por pura sorte, sobre as primeiras criações dos Titãs. Conhecidos como Primeiros Deuses, eram entidades únicas e que, na falta do Quinteto Titânico, representam tudo que existe e é conhecido. Buscar um destes seria heresia contra o panteão atual, pois ouvi que, os Primeiros haviam governado os mundos por eras, mas durante a chamada Revolta dos Deuses, eles foram aprisionados pelos Segundos, Terceiros e sucessivos Deuses que vieram posteriormente. Ânimus, até onde entendi, foi um dos pilares para esta rebelião de filhos contra pais.
Por pelo menos um ano, eu não movi uma palha para encontrar um dos Primeiros, até porque não havia pista nenhuma a ser seguida, mas a morte de Ânimus representou um ponto de virada para a guerra. Os Deuses mais mesquinhos começaram, por puro medo de perder sua imortalidade, a colocar seus rabos entre as pernas e fugir de Fronteira, já que eles eram mais fracos do que o Deus morto.
Nosso povo, que já havia sofrido muito, sem a iluminação divina começou a ser massacrado, corpos se amontoavam e o Caos ganhava território a cada dia. Foi quando decidi voltar às ruínas da Catedral do Nascimento, que já havia sido saqueada pelos homens até não sobrar nem panos rasgados e carbonizados. Eu era um dos poucos vivos que conheciam as partes mais secretas e obscuras das masmorras. Lá, ao passar por confusos corredores e salas, encontrei relatos, feitos por um semideus chamado Vitae, filho de Ânimus.
Escritos em celestial muito antigo, descreviam o aprisionamento de um dos Primeiros, Yor’Teron, o Primeiro Deus do Horror. No relato, ele descreveu os feitos terríveis desta divindade, eram sacrifícios, suicídios forçados, escravidão, demência, tudo o que Yor’Teron fazia era horroroso, como seu próprio título já deixava claro. Lembro que, com asco do que li, quase coloquei fogo no papiro, que se queimaria com facilidade.
Porém, refleti sobre Fronteira e sobre como a guerra estava indo. Por um lado, tínhamos as criaturas caóticas, limpando todos nossos vestígios sobre esta terra, decididos a sobrescrever a história e enterrar tudo o que já foi da Ordem, enquanto por outro, teríamos um Deus horrível, mas da Ordem, sim um Deus da Ordem! Pois mesmo que causasse sofrimento, ainda teríamos sofrimento para nós, diferente de não ter nada e ser varrido para baixo da terra, como se nunca tivéssemos existido.
Em segredo, comecei a pesquisar e procurar por Yor’Teron, queria encontrá-lo o quanto antes e os relatos de Vitae foram muitíssimo relevantes. Aprendi que ele estava preso em uma ilha, entre Prada e Belaropa, sabia que o selo não cederia facilmente, mas com preparo suficiente eu poderia rachá-lo. Apenas rachá-lo, pois seria o bastante para tal entidade poderosa acabar o trabalho.
Então, por mais de uma década eu me preparei e procurei. Viajei e estudei até achar que nunca o encontraria, mas navegando próximo da Ilha do Fogo eu achei uma ilhota, escondida de olhos despreparados por uma névoa branca. Lá, entrei em uma gruta e encontrei o local de aprisionamento daquele que salvaria o mundo, mas infelizmente, alarmes soaram e alertaram Impérius, o Deus da Luz, irmão caçula de Ânimus e um dos protagonistas no banimento de Yor’Teron.
Não esperava que fossem chegar tão rápido. Um destacamento de anjos, com o próprio Impérius liderando, me encurralaram. Eles me subjugaram e pela luz, me forçaram a revelar tudo o que sabia a respeito daquele que estava preso. No fim da minha confissão forçada, Impérius julgou que, para preservar oculto os conhecimentos sobre o Deus do Horror, minha morte e subsequente eliminação da alma seria a punição.
Eles bem que tentaram! Mas neste ponto, Yor’Teron já ouvira meu propósito e decidiu intervir, mesmo de seu aprisionamento ele protegeu um único osso de meu corpo, além de salvaguardar minha alma no tutano.
Para que você veja a diferença de força, mesmo preso, Yor’Teron fez com que Impérius, um dos ditos “Deuses entre Deuses”, não conseguisse terminar de me destruir! Ainda assim, eu fui aprisionado, jogado em um sarcófago e enfurnado em uma masmorra qualquer, para nunca mais ser encontrado.
Deve estar se perguntando, como eu escrevi este pergaminho, se ainda estou preso. É que, enquanto eu era fulminado pela luz, eu ouvi Yor’Teron dizer que minha história deveria ser contada para alguém, uma única pessoa que seja, mas alguém deveria saber quem foi Xoggorath, o clérigo que desejava, acima de tudo, salvar Fronteira. Com a ajuda divina Dele, esse pergaminho foi gravado e mantido escondido dos anjos.
Se você encontrou tal escrita, saiba que você é abençoado, pois Yor’Teron lhe escolheu. E se vocês está dentro da caverna, na ilhota do nevoeiro, então está muito próximo de salvar a Ordem de Fronteira! A única maneira disso ser feito é justamente pela libertação Dele.
Apenas se concentre agora e ouça a voz que vem de dentro, não se acanhe, pois Ele te mostrará o caminho. Não importa quem seja, tenho certeza que com a orientação certa, você será o Salvador de Fronteira!

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