O Nascimento do Rei Morto - Conto
- Escritamente

- 23 de fev. de 2023
- 17 min de leitura
Atualizado: 15 de mar. de 2023
Olá pessoal,
"No trono do Castelo Bravata, eu estava sentado com a cabeça cheia de dúvidas, enquanto as pessoas à minha volta falavam cada vez mais alto. Fazia menos de uma semana desde que tinha sido coroado. O castelo havia sido renomeado em honra a minha dinastia, como era de costume. E uma guerra impossível de se vencer estava a caminho."
Assim se inicia o conto do reinado de Tristão Bravata, um homem de caráter exemplar, que conseguiu ascender ao trono do reino com muito suor e trabalho. Porém, menos de uma semana após sua coroação as forças caóticas ameaçam destruir tudo, inclusive seu precioso castelo.
Fazendo o que é necessário para a sobrevivência, Tristão aceita uma benção amaldiçoada. Ele terá o domínio sobre a Morte, porém, sua sanidade será corroída conforme usa o poder. Para se manter a salvo ele precisa da ajuda de Pemam, uma mulher que cuida de sua alma e cativa seu coração.
Mas nem todos estão felizes, a rainha e seu pai principalmente.
Forçado a tomar uma decisão difícil, Tristão escolherá o amor ou o reino? Descubra lendo este Conto de fantasia e sacrifício baseado em uma campanha de RPG que estou mestrando.
O Nascimento do Rei Morto
No trono do Castelo Bravata, eu estava sentado com a cabeça cheia de dúvidas, enquanto as pessoas à minha volta falavam cada vez mais alto. Fazia menos de uma semana desde que tinha sido coroado. O castelo havia sido renomeado em honra a minha dinastia, como era de costume. E uma guerra impossível de se vencer estava a caminho.
O último rei do castelo foi o babaca do Fernan Julgonato, um tirano preguiçoso, cruel e consumista que morreu durante o jantar, se engasgou tentando mastigar o osso de uma coxa de galinha. Com certeza, os Titãs não poderiam ter dado uma morte mais justa para o desgraçado.
Segundo nossas leis, uma eleição foi realizada entre os nobres. Eu era o melhor candidato, já havia demonstrado bravura em batalha, esperteza nas finanças e lábia na diplomacia, mas o que garantiu mesmo minha ascensão foi o casamento com a filha mais velha do mestre espião do reino, com a promessa de que toda a minha herança iria para meu primeiro filho.
Que herança? Eu me pergunto agora. As forças do Caos dominaram totalmente os continentes de Angloruna e Belaropa. E agora avançavam sobre Prada, manchando meu território, matando meu povo e destruindo tudo o que eles viam pela frente.
Se meu antecessor, aquele incompetente, não tivesse arruinado a economia do país e rasgado em pedaços as alianças que levamos gerações para firmar eu poderia defender o reino, talvez até iniciar uma retomada dos territórios já destruídos pelas grotescas criaturas caóticas.
Mas eu tentava não me perder em lamentos, eu não tinha chegado ao topo só para ver meu reino queimar. Desde que minha mãe nos deixou, meu pai, que era apenas um comerciante, batalhou sem parar, enfrentando todas as adversidades para comprar um título para nossa família, depois ele gastou todo o dinheiro que lhe restava para me colocar na Universidade Lumináris em Esperança. O velho me incentivou a mostrar a todos que eu sou capaz, que eu sou melhor que esses aristocratas sem mérito, que eu posso governar e elevar o nome Bravata o suficiente para que os próprios Titãs o escutem.
Meu velho lutou até a sua morte para que eu chegasse aonde estou e eu não vou decepcioná-lo!
CALEM-SE! – eu bravejei e meu grito ecoou no Salão Real.
Todos olharam para mim, havia um misto de reações na sala. Todos estavam com medo, era óbvio, mas eu não tinha perdido as esperanças.
ESTE CASTELO ESTÁ DE PÉ A SÉCULOS! NÓS NÃO IREMOS DESISTIR, NEM FUGIR, NEM FRAQUEJAR. IREMOS LUTAR ATÉ O FIM! – eu esperava mesmo conseguir incentivar essa laia a ficar e lutar, mas estava cada vez mais difícil.
Milorde diz palavras corajosas, mas nosso povo morre cada vez mais desde o dia da sua coroação – disse algum fidalgo no meio da multidão.
DESDE A MINHA COROAÇÃO?! Agora a culpa é minha?! Eu sou o único aqui que está tentando salvar vocês, seus idiotas! Mas antes que eu dissesse algo que eu poderia me arrepender, o mestre espião, meu sogro, disse para todos.
Vossa Alteza, não dê ouvidos aos covardes que te culpam sem argumentos. Você ainda há de reinar por muitos anos e adquirir méritos e espólios para si e para todos aqui presentes. Quem não acredita nisto, que pegue suas tralhas e saiam deste castelo, voltem para suas casas e esperem a morte caótica chegar ou... fujam – ele dizia calmamente, mas com um tom alto o suficiente para que todos ouvissem.
Fugir? Para onde? Não há lugar seguro em todo mundo de Fronteira – outro alguém disse indignado.
Então parece que as opções de vocês são óbvias. Apoiem seu rei ou morram. Alguém aqui discorda disso? – após ele dizer essa frase, um silêncio permeou o salão.
Minha mente em dúvida já não sabia o que era pior, ouvir todos falando alto e reclamando do inevitável ou o silêncio seguido de todos olhando para mim, como se eu fosse tirar um milagre do meu rabo!
Depois de alguns momentos, já que nenhuma dádiva escorreu pelas minhas calças eu decidi que já era hora de quebrar o silêncio.
Essa assembleia está suspensa até amanhã de manhã - não me levantei para dizer isso, estava cansado demais.
As pessoas começaram a nos deixar, eu via como elas me olhavam. Algumas talvez até me vissem como um salvador, mas eu sabia que a maioria delas me via como o próprio carrasco.
Agora, no Salão, só restava os guardas, meu sogro e minha esposa, ou seja, o resto de minha minúscula família. Sinceramente, eu preferiria que eles me deixassem também.
Milorde, eu encontrei algo que pode salvar o reino - disse o mestre espião casualmente.
Salvar o reino? É o que todos aqui estão querendo… pensei enquanto recostava a cabeça sobre meu punho, sem dar muita atenção a quem falava.
ESPERE! Você disse ‘salvar o reino’? - mas quando as engrenagens giraram em minha mente, eu subitamente me levantei do trono.
Sim, eles encontraram um artefato muito antigo. Acreditávamos que estava perdido dentro de nossas catacumbas, mas honráveis aventureiros do clã Bárbaro conseguiram trazê-lo de volta a luz do dia - o velho se afastava de mim, indo até uma das inúmeras e confusas portas do salão.
Ele então abriu a abriu, e de lá saíram três pessoas. Uma humana enorme e musculosa, ela usava apenas poucos retalhos de roupa que cobriam suas vergonhas, mas isso só revelava ainda mais a fisionomia estrondosa dela. Também havia um elfo, provavelmente das florestas por conta da sua pele bronzeada, ele usava uma armadura leve e esverdeada. E por último, estava um…
O que um GOBLIN está fazendo dentro do meu castelo? – seria esse goblin membro do clã Bárbaro? Isso não seria impossível, mas ainda assim, nunca gostei destas criaturas nefastas.
Vossa Alteza, ela é parte do nosso grupo, mas não se preocupe, ela é tão civilizada quanto um… orc - o elfo esboçava um sorriso enquanto a goblin a olhava com uma cara ainda pior do que a que ele estava antes.
A dito goblin era uma humanoide verde e pequena, com nariz e orelhas enormes e desproporcionais. Ela portava trapos velhos sobre todo seu corpo, parecia um mendigo, mas para um olho treinado era possível ver que usava uma armadura de couro por debaixo.
Estes, meu senhor, são os aventureiros do clã Bárbaro que conseguiram trazer o tal artefato a nós. Deveríamos recompensá-los à altura de seu feito - meu sogro disse.
Pelos Titãs, não sabe ele que estamos quase falidos? Ainda assim, ele não é um homem de blefar com esse tipo de situação e até onde sei, ele não tem nada a ganhar em tentar derrubar o meu reinado.
Certo, recompense-os apropriadamente e me traga o artefato - disse, querendo descobrir o que encontraram o quanto antes.
Os aventureiros se foram do meu salão, com certeza para esbanjar o meu ouro em uma taverna qualquer. De toda forma, se o que eles trouxeram realmente salvar o reino, espero que eles se fartem da fortuna de um mundo não destruído.
O mestre espião me disse para ir aos meus aposentos, ele logo traria o item em questão.
Minha esposa me seguiu, mas sem ficar ao meu lado, a presença dela ainda era estranha para mim, eu ainda não havia aprendido a amá-la. Também, mal nos tocamos desde nosso casamento. Não que eu não a desejasse, havia beleza e graça nela, mas havia tanto a fazer, tanta destruição para todos os lados, que meu coração pesado não tinha me permitido consumar nossa união.
Marido, descanse um pouco, não faz bem se estressar tanto. Meu pai logo trará a solução de nossos problemas - ela disse calmamente enquanto se sentava na cama ao meu lado.
Não posso me acalmar ainda, o peso do mundo inteiro recai sobre meus ombros. Nosso castelo é a única grande fortaleza que ainda não foi consumida pelo Caos, se perdermos aqui, não restará esperança para ninguém - não olhava para ela enquanto falava, costume que esperava perder após conseguir ir até o fim da nossa noite de núpcias, postergada por eu mesmo.
Ela pareceu ponderar as palavras que iria dizer a seguir, mas no fim não disse nada.
Quando bateram na minha porta, mandei entrar. Além do meu sogro, dois homens encapuzados estavam com ele. Eles entraram e depositaram uma caixa de madeira sobre uma mesa.
Dentro desta caixa Milorde, está a chave da nossa salvação - enquanto o mestre espião dizia, os outros a abriam.
Lá dentro estava uma adaga repousando sobre um veludo avermelhado, seu punho era de uma espécie de vidro escuro, sua lâmina era de um metal tão negro e fosco que luz nenhuma parecia refletir dali. Quando olhei atentamente, meu olhar não conseguia se desviar daquele pretume, parecia que eu estava caindo sem me mover.
Milorde! Não olhe fixamente para a lâmina, esse artefato é a Adaga do Domínio. Dizem que a própria Escuritá, a Titã da Escuridão a forjou - meu sogro me agarrou pelos ombros enquanto se postava na minha frente.
Como se as palavras dele me acordassem de um sonho, eu consegui desviar o olhar.
E o que devemos fazer com isso? Essa arma é mágica? Ela pode destruir os exércitos do Caos que vem em nossa direção? - eu estava intrigado pelo que estava na minha frente, nunca havia visto algo que tivesse sido feito diretamente por um dos cinco Titãs.
Essa Adaga foi feita de um pedaço da própria Escuritá, com a magia certa, podemos estabelecer um canal de comunicação para falarmos diretamente com a Titã - o velho espião estava animado com a ideia.
Já eu, estava temeroso com isso, estamos falando de uma dos Titãs, uma entidade que criou tudo o que é conhecido, não estamos negociando com um soberano de outro reino, além disso, o que eu falaria para ela? Pediria ajuda? Ela nos ajudaria? Ela é conhecida por representar o egoísmo e a crueldade.
Ah, se pelo menos o artefato fosse de Luxíos, o Titã da Luz, mesmo não sendo religioso eu fui batizado em nome dele quando recebi a coroa.
Marido, se meu pai diz que é possível, então é possível - minha esposa havia finalmente encontrado uma voz para falar, mas eu ainda não acreditava no que ela tinha dito.
Milorde, sabe porque eu só mandei buscarem esse artefato após o rei Fernan morrer e você ascender ao trono? - ainda perdido em meus pensamentos, ele me chamou a atenção ao falar do antigo monarca.
Porque essa arma é perigosa, porque o que vamos fazer é perigoso. Aquele velho nunca aguentaria esse tipo de situação, mas você não é ele. Você é capaz de negociar com uma Titã, eu acredito! - ele falava com convicção, quase como meu pai me falava.
Vamos em frente então - disse sem muita confiança.
Ali, do meu quarto mesmo, começamos um ritual. Os dois encapuzados entoaram um encantamento antigo, em uma língua que eu nunca tinha ouvido antes. Da Adaga, uma sombra sólida surgiu, era tão escuro que roubava a luz das velas que estavam no quarto. A própria lua parecia minguar na presença daquilo.
Após sentir um arrepio na espinha, ouvi uma voz feminina e debochada, ainda que forte e rígida.
“Ora ora, sinto o cheiro de desespero. Eu adoro isso, HAHAHA!”
A voz era sinistra, eu me sentia dentro de um conto de fadas, como uma criança totalmente indefesa na frente de uma bruxa malvada. Minhas palavras quase falharam, mas eu consegui falar.
Eehh… Eu… Meu nome é Tristão Bravata… eu sou o rei… eu… EU EXIJO QUE NOS AJUDE A DEFENDER NOSSO CASTELO! - difícil… foi tão difícil, mas eu consegui! Eu consegui falar na presença de uma Titã!
A resposta foi um silêncio que pairou sobre nós de forma ensurdecedora.
HA HA HA HA HA HA HA HA HA
Quando uma gargalhada, estridente o bastante para fazer os vidros do quarto se arrebentarem, irrompeu da sombra.
“VOCÊ EXIGE? UM HUMANO EXIGE ALGO DE UMA TITÃ?”
Meu coração palpitava, eu sentia que ele iria parar se continuássemos por muito tempo, mas eu não iria desistir!
EU EXIJO QUE VOCÊ NOS AJUDE A DESTRUIR O CAOS! - usando todas as forças, minha fala saiu em um grito apressado.
"Ooohhh"
Um som parecido com um gemido ecoou em todo o quarto. E quando ouvi a voz de novo ela estava baixa, quase um sussurro em meu ouvido.
“É claro, eu entendi, você não está desesperado o bastante. Ainda”
Nesse momento, a escuridão se expandiu encobrindo a todos. Não conseguia ver nada, um frio terrível fazia meu corpo tremer por dentro.
Dentro de minha cabeça a voz Dela ecoava.
“Você se acha forte, capaz, não consegue perceber o quão insignificante você é. Você é menor que um verme rastejando no lixo”
“Um homenzinho que não consegue nem descabaçar a esposa, você é mole e nojento”
“Mas não se preocupe, eu irei te mostrar como se faz”
As palavras ainda ressoavam em meus ouvidos quando ouvi minha esposa gritar. Em meio da escuridão, eu nada podia fazer, incapacitado pelo poder esmagador da Titã da Escuridão. Era humilhante, eu me sentia minúsculo, me sentia um completo inútil, me sentia totalmente à mercê da vontade Dela.
“É assim que se faz! Você perdeu sua esposa para mim, seu homenzinho fraco! HAHAHAHAHA”
Desde que minha mãe foi embora, eu suprimi meus sentimentos, negligenciei amores e paixões para perseguir o sonho de meu pai, o meu sonho. Nem mesmo nessa situação conseguia sentir ciúmes ou amor pela minha esposa.
Ainda assim, lágrimas rolavam sobre meu rosto, eu sentia medo e raiva. Me faltava ar, sentia uma mão fria e dura esmagando meu pescoço, mas eu sabia que não era uma mão. Meus próprios músculos se enrijeceram numa tentativa de cometer suicídio, meu inconsciente, meu próprio corpo parecia querer a morte ao invés daquele sofrimento. Nesse momento, minha consciência vacilava entre o vazio do coma e a morte.
Me ajude… preciso… meu sonho… eu serei… grande - as palavras não saiam da minha garganta, estavam entaladas, mas eu me esforçava para permanecer acordado.
E então, eu caí de costas no chão do quarto. Eu agarrava o ar em grandes suspiros asmáticos, sentia que havia morrido e voltado a vida. A escuridão que tomava o quarto recuou ao seu tamanho inicial.
“Parece que eu tinha me enganado, você não é tão insignificante assim, mesmo diante da humilhação e da morte certa você não desistiu da sua ambição”
Pela primeira vez, a voz Dela parecia mais doce, mais sensível e reconfortante.
Sem nem conseguir me levantar, ainda respirando com dificuldade, eu via a sombra de uma mulher enorme pisando sobre meu peito. Era Ela, eu tinha certeza que Escuritá estava sobre mim.
“Você merece defender Fronteira, você será duplamente presenteado”
Ainda sem conseguir responder, ainda com dificuldades de respirar, eu só a fitei com meus olhos.
“Te darei o poder da morte para que destrua o Caos que invade seu reino, mas fique sabendo que você irá enlouquecer por isso. Você não é capaz de conter tal força. Sempre pense nele como uma maldição que levará a sua sanidade um dia”
“Mas também te darei uma benção. Amanhã, quando acordar, você a encontrará no jardim. Ela te manterá a salvo do fundo do abismo”
Ao terminar de falar, ela tirou o pé do meu peito e parecia que eu estava respirando pela primeira vez em minha vida. A sombra enorme então começou a recuar para dentro da Adaga, mas ouvi ela dizendo antes de sumir por completo.
“Quando você deixar de usar o poder, eu irei tomá-lo de volta, junto com tudo o que você é. Você será meu”
A próxima coisa que eu vi foi o sol da manhã batendo em meu rosto. Descobri rapidamente que todos desmaiaram após a sombra começar a aparecer, o que quer dizer que ninguém além de mim ouviu a Titã da Escuridão.
Ainda bem que foi assim.
Rapidamente, deixando todos para trás eu corri ao jardim do castelo. Lá, em meio aos arbustos ricamente detalhados, eu vi uma mulher nua. Diferente de qualquer outra mulher que eu já havia visto, seu corpo e seu longo cabelo eram totalmente brancos, nem uma única mancha havia em seu corpo. Seu rosto era impecável, parecia uma porcelana, tão lindo que eu não me contive em tocá-lo.
Ela acordou com o toque, sem que eu dissesse uma só palavra, ela já me conhecia. Sabia meu nome e disse que o nome dela era Pemam, o que posteriormente descobri ser Branco na língua dos celestiais. Após a apresentação, cobri sua nudez com meu manto vermelho.
Ainda no jardim, nós conversamos por um longo tempo, ela parecia entender todos os meus medos, todas as minhas angústias e eu sentia que podia falar com ela sobre qualquer coisa. A levei e apresentei a todos, disse que a Titã havia me dado ela como serva, para que me ajudasse a vencer a guerra.
E então, comecei a testar os poderes que Escuritá tinha me dado. Pemam me ajudava a usá-los com maestria. Descobri que o poder recebido era um vasto domínio sobre a morte. Testando em plantas, animais e posteriormente em prisioneiros, eu rapidamente me tornei capaz de tirar vidas com uma facilidade amedrontadora.
Poucos dias após receber minhas bênçãos, fui para o campo de batalha, eu iria enfrentar o Caos e iria trazer a desgraça as forças deles. Deixei minha esposa e meu sogro como regentes. Pemam e minha guarda pessoal marcharam ao meu lado.
No primeiro combate percebi que meus poderes funcionavam ainda com mais potência contra as criaturas deformadas do Caos. Matei tantas delas em uma única noite que eu mal precisava das minhas tropas. Eu era poderoso, mais do que eu havia sonhado. E agora eu iria salvar o todo o meu reino.
Durante minhas viagens, eu descobri que meus poderes só funcionavam dentro do meu próprio território. Assim que dava um só passo para fora, eu não conseguia fazer mais nada. Acho que Escuritá quis mesmo dizer que minha benção era para salvar meu reino e somente ele.
Enquanto aproveitava a noite para usar minha magia sombria, meus dias eram repletos de felicidade enquanto passava horas com Pemam. Parecia que eu estava vivendo um sonho, não demorou muito até o inevitável acontecer, nós dois nos apaixonamos. De uma forma tão pura e poderosa que eu não conseguia tirá-la da minha cabeça, nem mesmo ao me aproximar de nosso inimigo.
A Dama Branca, como ela era chamada, também era muito boa com os plebeus e soldados, ela era carismática e conseguia curar doenças e ferimentos irrecuperáveis. Todos a amava, mas ninguém a amava tanto quanto eu.
Mandei uma carta para casa uma vez, eu havia nomeado Pemam a Sumo-Sacerdotisa do reino, todos deveriam respeitá-la como a autoridade máxima sobre os assuntos da alma e das religiões. Me responderam dizendo que deveria voltar para o Castelo Bravata para a cerimônia, mas eu recusei o retorno, disse que a cerimônia já havia sido realizada no dia que Escuritá a fez para mim.
Os meses se passaram enquanto a ameaça caótica era exterminada em todo meu território.
Durante esse tempo, eu não retornei ao meu castelo uma única vez. Minha querida Pemam, a morte das criaturas do Caos e meus companheiros de guerra eram tudo o que eu precisava, lembro até de pensar algumas vezes em renunciar após acabar com a guerra e viver uma vida simples ao lado do meu amor.
Mas quando a guerra terminou e nenhuma criatura caótica foi vista por mais de um mês, recebi um comunicado da rainha. Ela requisitava meu retorno, sem demoras, aos braços dela.
Foi só nesse momento que eu percebi que deveria fazer alguma coisa. Não seria certo eu continuar com a rainha enquanto Pemam estava ao meu lado. Havia me decidido, eu iria acabar com meu casamento e iria me casar novamente com o meu amor.
Mas ao chegar ao castelo, em meio a tantas festividades pelo retorno triunfante do rei, eu me perdi. Nas primeiras noites eu bebi, ri e fiquei eufórico enquanto contava a todos sobre as aventuras e os massacres que tinha feito.
Desde a minha chegada, eu havia evitado a rainha o máximo que pude, mas não conseguia negligenciar a Pemam. Em uma noite, nos deitamos na minha cama, nos amamos como nunca havíamos feito antes. Tudo estava perfeito.
Até a minha esposa entrar no quarto com uma espada em suas mãos.
Ela queria me cortar, em um local muito impróprio. Eu me senti culpado, não o suficiente para deixá-la me cortar, mas culpado o suficiente para mandar Pemam para a Capela, disse a ela que deveria ficar lá, até que eu mandasse chamá-la.
Minha esposa se acalmou depois de alguns dias, principalmente porque as pessoas boas do meu castelo constantemente a diziam que era perfeitamente normal, por conta do tempo que ficamos juntos na guerra, eu dei graças a Escuritá por alguém de meu reino ter inventado o ditado de que ‘O que acontece na guerra, fica na guerra’.
Ainda assim, eu mantive Pemam na Capela, visitava ela diariamente, mas não passávamos juntos nem metade do tempo que costumávamos aproveitar durante a campanha de guerra.
Mesmo que a rainha tivesse se acalmado, seu pai não aceitou aquilo. Ele tramou contra mim, ele convenceu a todos que Pemam era uma âncora, uma sanguessuga que Escuritá tinha colocado sobre minhas costas, que limitava meu poder, que iria roubar o trono após ter finalizado com minha vida, que ela sacrificava bebês para seus rituais e muitas outras baboseiras!
Era tudo mentira! Mas os rumores se espalharam tão rápido que eu não pude fazer nada.
Quando descobri que meu próprio sogro estava espalhando os boatos, entrei no escritório do mestre dos espiões e quase o matei. Só não o fiz por conta do que ele me disse.
Acha mesmo que se me matar vai proteger sua queria Pemam? Não sou o único que pensa que ela é uma sanguessuga, todos os seus conselheiros pensam assim, a maioria dos outros nobres também - não só as palavras, mas o sorriso cínico em seu rosto me enfurecia.
Eu o subestimei, ele já havia começado a contar esses rumores pouco depois de eu ter saído para a guerra. Ele havia jogado todos contra a Pemam e eu via isso cada vez mais nítido desde o dia que eu o ameacei.
As pessoas boas, as mesmas que me ajudaram com minha esposa, agora falavam sobre minha tirania, falavam que eu havia sido amaldiçoado pela Dama Branca, que eu iria me tornar meu antecessor, que iria me tornar um tirano igual ao Fernan.
Sem saída, eu sentei sobre esse problema, eu não fiz nada, procrastinei e aproveitei meus dias da mesma forma que antes, visitando a Capela regularmente, como se nada fosse acontecer.
Foi durante uma negociação com um mercador da proeminente cidade costeira de Esperança, que eu fui alertado às pressas, de que plebeus haviam atacado a Capela.
Eu corri o máximo que pude e chamei todos os guardas que via pela frente, quando cheguei, vi uma multidão enfurecida dentro do templo.
SAIAM! SAIAM DAQUI SEUS VERMES! - eu gritei como o rugido de um leão. Eu estava terrivelmente furioso pela traição destes plebeus.
Um deles se aproximou de mim com uma tocha na mão, eu o matei sem nem olhar para seu rosto.
As pessoas se assustaram com a morte do homem, elas começaram a fugir em disparada. Tamanha era o desespero daqueles ratos, que os que caíam eram pisoteados até a morte. Pelo menos cinco morreram assim.
Quando começaram a sair, eu corri até Pemam e disse a ela que iria matar a todos! Eu iria assassinar cada pessoa que fizesse algo contra ela.
Mas ela não estava ali, não havia ninguém dentro da Capela. Foi aí, que eu vi uma raposa, tão branca quanto a neve, tão branca como Pemam. Ela se aproximou e se transformou na minha frente, voltando à forma humana. Estava completamente nua, como no primeiro dia em que a vi.
Tristão, não faça isso, por favor - ela disse com lágrimas quase caindo de seus olhos.
Eles merecem a morte tanto quanto aqueles monstros! Eles te FERIRAM! Eles me TRAÍRAM! Não merecem nem fazer peso sobre a terra! - eu sentia a raiva fervendo meu sangue.
Por favor, você está muito distante de mim desde que voltamos, a escuridão, ela está tomando conta de você. Me deixe te ajudar, me deixe afastá-la. Fique ao meu lado hoje - ela implorava, mas não era o bastante.
A escuridão.
Ela já estava dentro de mim e não queria se afastar.
Pegue suas coisas, você vai para um santuário que mandei construir desde antes de sairmos para a guerra. Este santuário é seu e deveria ser meu presente de aniversário para você, mas precisarei te mandar para lá, uma semana antes da data prevista. Você não está segura aqui, mas estará lá - eu estava fazendo a coisa certa.
Ela pediu, suplicou para que eu não a abandonasse.
Fique lá, até o dia que eu voltar para você - foi a última coisa que disse a ela.
E então, eu voltei para o Salão Real. Meu sogro estava lá e eu o matei antes que ele dissesse uma só palavra para mim. Enfurecido, fui atrás do mestre da moeda e do chanceler. Depois mandei meus soldados me trazerem todos os que eles viram no dia do ataque e executei todos eles de frente para o portão do Meu Castelo.
Traidores! Traidores! Todos eram traidores!
Aqueles que haviam me traído, já não tinham mais vida. Porém, todos os outros que sobraram eram nada mais do que desilusões esperando o dia de se revelarem. Eu tratei de eliminar toda a ameaça, de uma forma que manteria meu reinado livre de uma revolta, livre de qualquer ameaça, livre de qualquer vida.
Juntei Meu exército, todos eles. Tirei deles o sopro da Vida e preenchi seus corpos com o hálito da Morte. Mandei que trouxessem todos os Meus súditos, que trouxessem todos eles para de frente aos portões do Meu Castelo.
Ali, eu iniciei o fim de todas as rebeliões. A cada um deles, dei a Morte. Seus cadáveres não tiveram tempo de esfriar no chão, pois logo eles ressurgiram como meu novo povo.
Nesse dia, o Reinado da Morte começou. O Reinado Eterno se iniciava. Meu povo, Meu reinado representaria a Ordem como nunca visto em outro lugar.
Eu me tornei o Rei Eterno. A única esperança do mundo de Fronteira.
Eu me tornei a própria Morte que Caminha.
Se você leu até o final, parabéns e muito obrigado :D
Este é o conto mais longo que eu já escrevi até o momento, espero que tenha curtido.

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